Marcação Entrevista: Valdir Espinosa

Depois de um longo inverno (verão e início de primavera), o Marcação Entrevista está de volta. E desta vez, tive o prazer de conversar com uma figura muito importante do futebol brasileiro: Valdir Atahualpa Ramirez Espinosa.

Com mais de 30 anos de carreira, Valdir Espinosa já passou por diversos clubes do Brasil além de acumular passagens por Arábia Saudita, Paraguai e Japão. Campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes em 1983 com o Grêmio, ele passa por um momento de recomeço.

Nesta longa conversa com o Marcação Cerrada, ele falou sobre a carreira, sobre análise tática e sobre o momento dos técnicos brasileiros. Depois que quase dois anos, ele retomou a carreira neste ano mas acabou ficando pouco tempo no Duque de Caxias. Independente disto, garante: está pronto e disposto para retomar a carreira de vez. Com a disposição de um iniciante, aguarda uma oportunidade em uma grande equipe.

Marcação Cerrada – Em 2009 você chegou a anunciar o fim da carreira. O que te fez aceitar a proposta do Duque de Caxias?

Valdir Espinosa – No momento que eu dei aquela entrevista para um canal de televisão, ela estava dividida em duas partes. A primeira que eu ia parar e uma segunda que eu pensaria em continuar em outra função. Basicamente, eu estava parando porque a motivação tinha baixado bastante. Eu sempre cobro dos meus jogadores que eles tenham alegria no que estejam fazendo, e a minha alegria diminuiu. Então, se eu cobro deles aquilo que eu não tinha, não via condição de realizar o trabalho como deva ser realizado. Por isto eu dei uma parada. Aproveitei para dar uma descansada, olhar de fora. Olhando de fora, você vê muito melhor as coisas que estão acontecendo. Taticamente havia uma mesmice muito grande e isto me incomodava. Aos poucos comecei a me sentir motivado de novo, sentir esta alegria, quando veio o convite do Duque de Caxias. Muita gente estranhou, mas em função de uma amizade e também com vontade de me testar, resolvi aceitar. Você sair da Barra e ir até Caxias não é fácil. Despertava 5h30 da manhã, pegava um trânsito intenso, voltava num trânsito pior ainda e vi que estava com alegria de fazer, estava com disposição. Acabou que não houve acerto no trabalho em função de outras razões, mas este espaço de um mês foi muito importante para eu dizer que estou pronto para voltar.

MC – Então hoje você pensa em seguir a carreira, esperar por uma nova oportunidade?

VE – Com certeza. Sei que existe uma dificuldade, até porque muitas pessoas acham que eu parei. Mas eu estou pronto para voltar a assumir um clube de futebol.

MC – Depois que saiu do Duque já aconteceu alguma sondagem ou foi procurado por algum clube?

VE – Eu sempre digo uma coisa: é muito fácil dizer que foi procurado por 8 clubes, 4 seleções, mas não houve acerto. Muitas vezes eu nem sei se o convite existe mesmo, porque tem o empresário no meio. E você acaba não tendo a certeza se é uma proposta real. Hoje mesmo (ontem) eu tive uma sondagem de fora, mas até chegar ao ponto de falar diretamente com um clube ainda não aconteceu.

MC – E você acha que pode voltar a ter oportunidade em um grande clube do Brasil?

VE – O mercado existe para quem é competente. Aí é você acreditar no seu trabalho, na sua capacidade. Eu tenho história, tenho muitos títulos na minha carreira. Ganhei Mundial, Libertadores, Campeonato Carioca, conquistei o primeiro título internacional da história do Corinthians, o Ramón de Carranza. Além disso, já fiz um trabalho em quatro clubes para escapar do rebaixamento. Por tudo e principalmente pela minha vontade, acredito que pode pintar uma oportunidade sim.

MC – Hoje na Série A temos o Joel Santana e o Felipão praticamente com a mesma idade do senhor. O Antônio Lopes, com 70 anos, está no Atlético-PR. Até que ponto você acha que a idade pode ser um problema para o treinador?

VE – Pra tudo que você faz, se não tem saúde você sente dificuldade. Partindo do princípio que você tenha saúde, você tem que analisar é a alegria do trabalho. Você pode ter a idade que for, se você tem alegria e prazer naquilo que faz, independente da idade você vai realizar um bom trabalho. Eu tenho uma boa saúde e isto é o primeiro passo. E aquilo que eu tinha, que é a alegria no trabalho, eu voltei a ter. Você junta isto à experiência, àquilo que você aprendeu e isto faz com que você tenha uma capacidade maior de desenvolver os projetos.

MC – Falando um pouco da sua carreira. Qual você julga como o seu melhor trabalho?

VE – Eu tive a felicidade de ter alguns títulos e todos eles foram importantes. Claro que se você dimensionar, o Campeonato Mundial é um campeonato que todos querem e poucos têm. E para chegar a ele você tem que ter uma conquista de Libertadores e nós tivemos. Tivemos dois títulos no Paraguai, no Cerro Porteño, que é uma equipe de muita tradição, mas há muito tempo não conquistava. Tivemos o título no Botafogo, quebrando um jejum de 21 anos sem títulos. Todos eles têm uma história. O Grêmio foi um sonho conquistado. O Botafogo, um pesadelo que terminou. Cada um tem seus detalhes, mas nenhum foi o Espinosa sozinho que venceu. Houve também trabalhos para salvar de rebaixamento. Teve o Botafogo em 98, o Ceará que ia pra Série C, o Fortaleza em 2005, o Vasco em 2007. Tudo isto foi muito importante. Mais difícil, porque nestes momentos você chega em um dia e a equipe já joga no outro. São dificuldades diferentes.

MC – E de todos estes times que você treinou, qual foi o que mais te agradava ver jogar?

VE – O importante para que isto aconteça são as peças. Eu aprendi uma coisa no início da carreira que eu carrego sempre e passo adiante quando tenho a oportunidade. Quando eu encontrei o João Saldanha e pedi a ele que me desse um ensinamento para quem estava começando, ele me disse: “se tiver time bom, tu ataca. Se tiver time ruim, tu defende”. E eu nunca mais me esqueci daquilo, por mais que mude o futebol, surjam novas táticas. Mas eu tive a felicidade de trabalhar com grandes jogadores tanto no Grêmio, quanto no Botafogo, no Cerro Porteño. Com bons jogadores você tem mais condições de fazer um trabalho e de vê-lo dar resultado.

MC – E hoje, observando de fora, qual o time você gosta de assistir?

VE –Acho que o mundo inteiro se rende ao Barcelona. É a melhor equipe do futebol mundial. Tem jogo do Barcelona, eu estou na frente da televisão. E aí vem aquele detalhe: porque o Barcelona ataca? Porque tem time bom. Mas tem também o aspecto técnico. É um time que domina e toca enquanto outras dominam e correm, principalmente aqui no Brasil.

MC – E este modelo do Barcelona, é possível se aproximar dele mesmo com jogadores menos qualificados?

VE – Pode fazer sim. Claro que você não vai ter o Messi, porque não existem dois. O problema é que todo mundo quer que em um mês o time já jogue igual o Barcelona e isto é impossível. Se você quer o Barcelona, é preciso ir lá nas categorias de base e começar a trabalhar. Depois de quatro, cinco anos, estes jogadores vão estar subindo para o profissional e aí você começa a pensar em ter um Barcelona. Mas quem é que tem calma para isto?

MC – Por falar neste imediatismo, quem tem sofrido com isto é o Mano Menezes na seleção. Recentemente no seu blog, você apoiou a permanência dele, mas disse que ele precisava rever alguns conceitos. Qual a avaliação que você faz do início do trabalho no Mano e quais conceitos são estes que ele precisa mudar?

VE – Não sei se é o Mano que tem que mudar primeiro ou se somos nós, torcedores. A gente quer que aja uma reformulação, mas ao mesmo tempo não aceita que venha a derrota. Se tiver resultados negativos, troca-se o treinador. A Copa do Mundo já está batendo a porta. Ele ainda está analisando quais os veteranos que poderão dar retorno na Copa do Mundo, quais os jovens que não sentirão a camisa da seleção brasileira. Hoje, nós não temos certeza de nada. Até um momento atrás, o Ganso era a figura número um do futebol brasileiro, mas por problemas de lesão já ficou de lado. O Neymar é excepcional, tem tudo para ser um dos melhores jogadores do mundo, mas ainda não deu resposta com a camisa da seleção. Acho que nós temos que cobrar do Mano uma definição de equipe. Mas não cobrar o resultado, porque se cobrar o resultado ele vai jogar com três volantes, quatro volantes, para não perder o emprego. E eu acho que numa Copa do Mundo aqui no Brasil, ninguém vai aceitar a seleção jogando com três volantes.

MC – E você acha que o nível dos jogadores brasileiros hoje fica devendo tecnicamente a outros países da Europa e até mesmo aqui da América do Sul?

VE – Acho que individualmente a gente tem grandes jogadores surgindo. Lucas e Casemiro do São Paulo. O Neymar e o Ganso. O Thiago do Milan. São jogadores extraordinários. Mas são jogadores que você ainda não sabe que resposta eles vão dar jogando uma Copa do Mundo com a camisa da seleção brasileira. No meu entendimento, a grande diferença está no aspecto tático, pois o europeu é mais obediente. Criou-se este comodismo da cultura do futebol brasileiro, que é pegar a bola, sair correndo e driblando, se fizer o gol venceu. O Neymar, por maior qualidade técnica que tenha, tem que cumprir uma função tática, fechar espaço para o adversário não jogar. E isto tem que servir para todos. Nós temos que manter a criatividade, mas ter disposição tática de formação. Assim fomos em 70 e vencemos, assim fomos em 58, também quando perdemos em 82 que foi a melhor seleção. Tínhamos a qualidade técnica, mas tínhamos uma boa formação em campo.

MC – E você acha que esta falta de obediência tática acaba prejudicando os jogadores brasileiros quando eles vão jogar na Europa?

VE – É um dos motivos. É preciso também ter cabeça, porque lá você vai ser cobrado para cumprir uma função. Aqui se cobra muito pouco. O jogador vai pra lá, se não quer fazer a função vai pro banco. E se fizer beicinho, vai embora. Aqui, a culpa é do treinador. Por que os jogadores experientes como Ronaldo, Ronaldinho, falam que o Neymar tem que ir pra Europa? Ninguém quer ver o mal do Santos. Mas lá ele vai aprender, vai ser cobrado, será outro Neymar na Copa do Mundo. Aqui, principalmente para o craque, a cobrança é muito menor.

MC – Você já trabalhou como comentarista. De forma geral, você vê os comentaristas preparados para observar o jogo profundamente, principalmente na parte tática?

VE – Está mudando. Você já vê a diferença. Muitas vezes se comenta o resultado do jogo: quem ganhou fez certo, quem perdeu fez errado. É pouca análise em cima da distribuição tática. Mas já estou vendo melhorar, estou vendo alguns falando sobre este aspecto tático.Só que isto não muda de uma hora para a outra. Em relação ao que era há pouco tempo atrás, eu vejo uma mudança interessante, de se falar de tática, de se cobrar taticamente.

MC – E é uma função que te agrada, que você pensa em retomar um dia?

VE – Me agrada bastante. Eu adoro. Mas agora estou focado em voltar a treinar, com uma gana extraordinária. Eu quero fazer acontecer. Meu foco agora é só voltar a treinar, colocar idéias em prática e conquistar mais títulos.

MC – Você falou sobre a importância deste período que você ficou observando de fora, entre a saída do Fluminense e a chegada ao Duque. Você acha que seria importante para todos os técnicos este período de observação, de reciclagem?

VE – Depende de cada um. Eu entendo que muitas vezes de fora você tem uma visão mais ampla e passa a ter uma observação melhor. Assim, você pode ter um aprendizado maior. Em alguma oportunidade eu já saí de uma equipe e fui pra outra, vivi este momento. Mas confesso que para mim foi muito importante este afastamento, esta visão, porque deu pra aprender bastante.

MC – Para quem está de fora, a visão é que o mercado de técnicos no Brasil é muito restrito. Normalmente são os mesmos nomes circulando nos grandes clubes. Vocês também sentem esta dificuldade?

VE – A grande verdade é que hoje você depende do empresário. Não adianta só ter títulos. Os clubes dependem muito do empresário. Até pouco tempo, o clube tratava diretamente com o técnico. Hoje, tudo é através do empresário e ele já tem a sua carteira de treinadores. Se o clube vai trabalhar com um empresário e eu não estou na carteira dele, o meu nome está fora daquela oferta.

MC – Para fechar, o que você acha do nível dos treinadores no Brasil em comparação com o que tem observado na Europa?

VE – Acho que cada vez mais surgem bons treinadores. Entendo que eles poderiam fazer com que nós tivéssemos uma tradição tática melhor. Nós ficamos alguns anos jogando com quatro jogadores defensivos, dois volantes, dois meias, dois atacantes (4-2-2-2) e isto é muito ultrapassado. Até hoje algumas equipes jogam assim, porque nós ficamos muito tempo com medo de mudança. Quando se diz que a Copa do Mundo nos deu o sistema 4-2-3-1, é preciso observar um detalhe muito interessante. Estes dois homens do lado de campo que formam estes três do meio são atacantes. Então é um 4-3-3 quando ataca e um 4-2-3-1 quando defende. Nós olhamos e fomos copiar como? Estes dois homens pelo lado, colocamos homens de meio-campo e um atacante só na frente. A disposição é a mesma mas a interpretação não é correta. Na Seleção de Portugal, o Ronaldo jogava na esquerda e o Nani na direita, mas eles são atacantes. No Real Madrid também. Mas quando eles perdem a bola, recuam para marcar. No Brasil, muitas equipes jogam assim. Mas são homens de meio-campo, que chegam à frente. Por isto acho que ainda temos para acrescentar, temos para aprender. Independente de qualquer coisa é importante que se discuta.

MC – Você acha que falta um pouco mais de diálogo entre os treinadores brasileiros para discutir estas mudanças táticas?

VE – Existem vários encontros, que são importantes e são bons. Mas é sempre a mesma discussão e eu ainda não vi um que o pessoal sentasse para conversar. Por exemplo: o Leão, quando foi treinador da seleção eu estava no Fluminense. Ele reuniu os quatro treinadores cariocas num hotel, sentou e conversou. Perguntou como as equipes jogavam e passamos um bom tempo debatendo. Foi a primeira vez que eu vi isto e não sei se ele chegou a fazer em outros estados. Não adianta reunir para tomar cafezinho ou contar historinha. Precisamos discutir, ver o que está certo, o que está errado. Temos que brigar pra que isto mude, porque senão vai continuar assim. A partir daí, vão surgir idéias, fatos diferentes e fatalmente você vai ter um crescimento.

OBS: Aproveito a entrevista para recomendar o ótimo blog do treinador, com discussões interessantes sobre parte tática e trabalho dos técnicos. Quem quiser acompanhar as últimas notícias sobre o Valdir Espinosa, também deve segui-lo no Twitter.
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O 4-2-3-1 do Fluminense. Pouca mobilidade do setor ofensivo é compensada com "tesão".

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